sábado, 29 de setembro de 2012

O meu Aspirante

Tive três. O primeiro passou na minha vida, mais rápido que o lucky luke, quinze dias depois do início da instrução de uma recruta no BC8, foi mobilizado para Timor em rendição individual, tendo eu como cabo miliciano mais antigo, assumido o comando do pelotão até ao seu juramento de bandeira. O desta estória foi o segundo, o terceiro foi meu Aspirante e meu Alferes, uma escolha acertada do destino.

Introdução
Uma conversa de café entre amigos, sobre Perfecionismo e Organização vs TOC (Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva), trouxe-me à memória uma personagem que tive o grato prazer de conhecer há quarenta anos atrás.

O Aspirante (αQ)
Abril de 1973, o cabo miliciano nº .…71, nomeado para fazer parte do BCaç4910/72, dá entrada no BII19, em S. Martinho no Funchal. Depois de muita indecisão dos responsáveis pela sua colocação, acaba por ir parar a uma companhia, da qual mais tarde não fará parte. O tenente miliciano comandante daquela companhia, atribui-lhe o pelotão do Aspirante Q (αQ).

Homem muito responsável, educado e humanista, tanto para os cabos milicianos, como para com os instruendos. Foi extremamente gratificante ser seu colaborador.

O Alferes (αQ)
Da Madeira para o RI1, na Amadora onde decorreu o IAO. Aqui separamo-nos, o nosso herói manteve-se na mesma companhia eu fui parar a outra.

Em Cabinda perde-mos praticamente o contacto. Apenas convivemos duas ou três vezes, no entanto eu ia ouvindo algumas conversas sobre os hábitos e metodologia deste personagem; controle, confirmativo e repetitivo, alinhamento, dedicação extrema às tarefas de que estava incumbido, zeloso quanto a valores morais e éticos, pouco propenso a actividades de lazer, entre outras (alguns dos sintomas TOC).

Das várias estórias que se contavam, destaco duas, uma era durante a noite verificar diversas vezes a operacionalidade da arma, puxando a culatra atrás para verificar a existência da munição na câmara, o que perturbava o descanso dos que dormiam sob a mesma tenda, a outra era quando ia tomar banho e alinhava tudo aquilo de que necessitava, mas seguindo uma determinada ordem. Aí os camaradas, sempre que podiam trocavam a ordem de um ou dois objectos, mas o nosso bom alferes logo dava pela “marosca”.
Determinado dia resolvi contrariar ordens do Comandante do Batalhão e foi ordenada através de msg., a minha comparência no Bata Sano. Posto ao corrente do que se tinha passado o meu Capitão resolveu acompanhar-me.

Chegados ao destino, depara-mos com o αQ, que com um papel na mão ia percorrendo o campo de jogos junto à messe dos oficiais e apontava o número de passos de cada trajecto.

Intrigado o meu Capitão questionou:
-Ó αQ porque está a contar os passos que tem o campo e a tomar nota?
Resposta do nosso alferes:
-Meu capitão estou a aferir a medida do meu passo.

O nosso αQ no dia anterior tinha feito uma operação no mato e como as cartas não eram muito fiáveis o bom do homem apontava as distâncias entre lugares de referência, para posteriormente fazer um relatório o mais circunstanciado possível.

Era voz corrente que os melhores (mais precisos e reais) relatórios operacionais eram os do αQ, segundo o chefe de operações do Sector. Verdade ou mito?

Como eu gostava de encontrar o αQ, só para lhe dar um abraço.
Texto e imagens de A. Almeida

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