Bom, então, uma vez que me convidam, cá vou eu, José Carlos Mendes - como podes ver na assinatura, no fim de cada artigo.
Antes de mais, uma nota sobre os 34 anos que passaram desde o Bata Sano, Buco Zau, etc.: não há dia nenhum em que não me passem pela cabeça imagens e situações, pessoas e problemas com os quais vivemos ali meses a fio.
Apesar de não termos tido aquele tipo de guerra que outros tiveram, a verdade é que quando pusemos os pés em Cabinda pela primeira vez, a primeira coisa que soubemos foi que tinham a cabado de ser mortos na Curva da Morte, a caminho de Sangamongo um capitão, um médico e penso que mais um alferes miliciano: três pessoas, três jovens.
E esse momento forte condicionou de imediato todo o resto das nossas vidas: nesse momento, o meu cérebro (e o vosso, de certeza... mesmo que não déssemos por isso, de tão jovens que éramos...) - repito, nesse momento, o meu cérebro assimilou uma coisa simples: PODES MORRER A QUALQUER HORA.
E, a partir dali, todas as circunstâncias de vida, seja lá, seja cá, o meu cérebro funciona sozinho, obedece a esse novo paradigma, a essa nova fórmula de raciocínio: vive tudo, absorve tudo, bebe tudo, dedica-te a 100% a tudo o que fazes - não sabes se estás vivo daqui a uma hora, daqui a meia hora.
Resultaram deste modelo mental várias consequências, umas de que tenho consciência e outras de que nem terei noção nenhuma: primeiro, um optimismo e uma boa disposição que impressiona toda a gente que me rodeia desde esses tempos; segundo, um grande respeito pela vida, pela saúde, pelo bem-estar - o meu e o dos outros; terceiro, uma noção muito apurada do que devo a cada um dos que lá estiveram comigo, mesmo que eu estivesse no Bata Sano e qualquer de vocês no Pangamongo, no Tchivovo, fosse onde fosse; quarto, um total respeito pela maneira de ser de cada pessoa, sabendo de certeza absoluta que toda a gente, mesmo que pense diferente de mim, me faz falta para ser mais feliz.
(Desculpem esta entrada, mas, se não escrevesse isto, estava a ser pouco rigoroso: é assim que eu sou, devo isso a cada um de vocês também, e quero que o saibam, meus amigos!)
Agora, uma história que sempre me fez confusão.
Alguns de vocês talvez se lembrem de que a minha casa «civil» lá era no Buco Zau, mesmo à beira do Rio Luáli.
Acho que Luáli quer dizer rio do ouro em fiote. Mas disso quem sabe é o Dr. Nuno Silva Miguel, que foi quem naqueles dias da bagunça dentro da cabeça me alertou para a importância destas e de outras coisas.
Ora aqui começa a tal história da minha confusão: ainda lá, dava conta de que uns miúdos eram contratados por um dos sargentos da CCS para lhe entregarem pedrinhas do rio em garrafas de cerveja.
Soube depois, já em Lisboa, que o negócio passava pela África do Sul e que aquelas pedrinhas eram afinal prováveis ninhos de pequenos pedacinhos de ouro.
Alguém de vocês sabe disto? Esta história será verdadeira ou será mais um mito daqueles tempos míticos da nossa imaginação colectiva?
Se algum de vocês souber disso, por favor, avance com novos casos ou outras histórias.
Um dia vou começar a alinhavar aqui histórias de há 34 e 35 anos, se vocês me ajudarem...
Só para recordar.
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Uma nota: reparem que no mapa com que ilustro o artigo, o mais nítido e visível que consegui na net, aparece uma coisa que não existe: «Cabinda Republic». Cabinda não é uma república mas sim uma região de Angola. Com alguma probabilidade, é um mapa de propaganda. Fica aqui a correcção essencial. Tirei-o daqui (clicando, acedes ao blog original).
6 comentários:
Quando estavamos no Chimbete, nós os da 3ªCompanhia, tinhamos cinema
duas vezes por semana em que o projeccionista era um senhor de veneravel idade funcionário do Cine Cabinda que para exercer o seu mister tinha como imprescindivel o Land Rover, o projector, as bobines do filme e a sua esposa.Antes da projecção e durante o jantar( que o Saraiva nestes dias fazia por caprichar, nós sempre soubemos receber bem) aproveitava para nos falar das "coisas" de Cabinda.
Vou aqui fazer referência a duas delas; os diamantes e o ouro, que ele dizia haver no leito do Luali!
Certo é que um dia das muitas vezes que me deslocava a Cabinda e a convite deste gentleman fui visitá-lo na sua residência onde o mesmo me mostrou os tais diamantezinhos e as pepitas que dizia serem de ouro e adquiridas a nativos, mas que a minha ignorância na matéria me impedem dizer da sua autenticidade.
Boa tarde. Ainda bem que apareceste Mendes, pois estás a dar uma enorme vitalidade a este site, que estava moribundo...
Quanto à historia das pedrinhas para mim é novidade, mas havia lá sargentos muitissimo habilidosos....Como sabes eu andava muito por fora e nunca ouvi tal historia, mas a ser verdade, talvez eles não badalassem, não é verdade?
Contam-se muitas historias e algumas delas não serão verdades.
Mas vou-te aguçar o apetite: sabes quem é que um dia me foi levar ao Sangamongo durante o dia num reluzente Fiat 128 verde alface?
Um abraço
Quanto aos mortos na curva da morte, foram realmente tres: O capitao Bexiga, o alferes médico que era filho ou sobrinho do Gen.Silvino Silverio Marques, se não estou em erro, e o terceiro era um furriel miliciano de nome Caldeira, primo direito do furriel miliciano Caldeira, o Caldeirita, da 1ª.Companhia. Soubemos da noticia em Luanda pouco tempo antes de apanharmos a lancha para Cabinda.
As conversa são como as cerejas, como se costuma dizer. Depois desta cena do Caldeirita, eis que entramos na lancha e sofremos o primeiro ferido: o Marques corneteiro da 1ª.Companhia. Houve um soldado da 2º. que deixou cair a arma, esta disparou e apanhou o braço, junto ao cotovelo. Como ves começamos cinco estrelas.
Sobre a história do Luáli e das pepitas de ouro nunca ouvi nada sobre esse assunto, mas também é verdade que por essa altura não ligava muito a esse tipo de matérias, preferia o futebol, umas bejekas e umas gajas.
Soube também mais tarde, como o Mendes, dessas negociatas que passavam por Angola, Moçambique e África do Sul.
Quanto à famosa curva da morte e da emboscada em que ficaram os três, ouvi isso ainda em Luanda (no Grafanil), e comentei simplesmente – estamos **didos!
Também recordo a chegada atribulada ao porto de Cabinda, com o Marques a sangrar do braço. Depois do tiro ouvi alguém dizer que estávamos a ser atacados do porto pelo MPLA. hehehe … mas era a maçaricada que estava a chegar e a fazer asneira da grossa!
Boa tarde, Sr. Curto, o alferes-médico era meu pai, o filho mais velho do Governador de Angola, Silvino Silvério Marques. Que na verdade, não era alvo mas, sim o Capitão Bexiga. Porque não havia e nunca houve médicos disponíveis em Chimbete segundo, que fui informado este ano, pelo António Almeida que pertencia de da 3ªCCAÇ/BC4910, julgo eu. Com melhores cumprimentos.
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