terça-feira, 11 de novembro de 2008

QUASE DESERTOR

Doze de Agosto de mil novecentos e setenta e dois, dia de embarque da 1ª companhia.
À hora da formatura na parada do RI da Amadora ainda eu estava na rua, bem próximo da porta de armas.
É necessário recuar um pouco no tempo para compreender melhor esta história.
Ao saber da minha mobilização, logo decidi que na hora da partida não me despediria da família. Não sei explicar o porquê de tal decisão, mas o certo é que ela foi tomada e assumida como irreversível.
O tempo foi passando até que houve a última licença de fim de semana antes do embarque. Depois disso era a semana final até à partida para Luanda.
Semana difícil e complicada emocionalmente, até que na quinta feira não resisti e "desenfiei-me".
Sem receio de qualquer castigo (afinal que castigo mais poderiam dar-me?), vim para casa, para uns dias de convívio familiar que afinal até poderiam ser os últimos.
Não quis ninguém na partida, como depois também não quis ninguém na chegada, mas partir para o desconhecido, com dúvidas quanto ao regresso, era de mais para fazê-lo sem me despedir e caiu por terra a minha decisão anterior.
Foi assim que protagonizei o meu segundo (apenas) "desenfianço", nestes quase sete meses de serviço militar.
Chegou o sábado dia doze e fez-se hora de regressar à Amadora, só que no momento de transpôr a porta de armas houve uma forte hesitação e ainda por ali deambulei tipo vou...não vou, durante largos minutos.
Conhecia alguém que tinha desertado e que após cinco longos anos escondido teve que se entregar porque não aguentou a pressão (agora diz-se stress) de viver constantemente fugindo de tudo e de todos.
Pensei que também isso me poderia acontecer e apesar de ter boas indicações de que o regime poderia cair a qualquer momento, não havia uma garantia absoluta de que assim acontecesse.
Decidi avançar! Na parada já se iniciara a formatura para preparar a viagem até ao aeroporto militar de Figo Maduro e um colega que sabia da minha ausência já entregara a roupa da cama para me facilitar a vida.
Por momentos fui desertor, pelo menos em pensamento.
Nem equaciono hoje qual teria sido a decisão mais correcta porque a vida não se faz de "ses".
Tomei a que tomei e foi essa, obviamente, que prevaleceu!
Que mais não seja, valeu a pena porque vos tenho agora a todos como amigos!
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Este é um "post" de índole pessoal por ser referente à data de embarque mas futuramente tentarei evitar o discurso na primeira pessoa centrando-o mais no colectivo ou na informação.

2 comentários:

João Silva disse...

Amílcar, também pensei em desertar, mas não nesse mês de Agosto, foi talvez uns dois anos antes.

Não o fiz, porque no momento em que tive a minha oportunidade, faltou-me a coragem ou tive medo, não sei... fiquei eu e outro em terra e seguiram os outros.

Hoje não estou arrependido.

Vá... já chega... um abraço para ti.

José Carlos Mendes disse...

Não, Amílcar. Não deixes nunca a primeira pessoa. Quero ler mais sobre esse tipo de coisas.
Por favor.
Quanto a deserções, sabem uma coisa?
Se todos os que pensaram fazer isso um dia tivessem ido embora, acabava-se a tropa...
Passou por quase todas as cabeças.
Mas por outro lado, e já que dizes que tinhas o tal zum-zum de que o regime ia cair de podre - como então se dizia na minha Redacção («Notícias da Amadora», oposição fortíssima àquele malfadado Estado Novo) - sempre te digo uma coisa que penso desde que pegaram em mim na Faculdade de Direito, me impediram de fazer sequer a oral de Economia Política e... ala para Mafra... e sempre pensei isto: valeu a pena suportar aquilo durante os 37 meses. Se tivéssemos fugido todos os que se opunham à guerra, o regime podia ter durado mais uns tempos. E isso era muito mau.
Portanto, ainda bem, que não fugimos, meus caros.