sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Evacuação terrestre

Quando cheguei a Landana, ainda tive de esperar pelos feridos, que vinham por estrada, e que já estavam a ser evacuados há mais de 9/10 horas.
Chegados, entrei na primeira ambulancia, e logo fui ao chão, por ter escorregado no liquido viscoso que estava nesse mesmo chão.
O cenário era, e é indiscritivel, dantesco mesmo.
Assim, resolvi, não mexer em nenhum dos feridos, dado que vinham controlados, e reiniciar a marcha, pois tambem já não estavamos assim tão longe do Hospital, ou seja, mais uma horita de sofrimento, que a juntar às outras anteriores dez, já dava um tempo demasiado longo!
Chegados ao hospital de imediato se procedeu à amputação dos dois feridos que ficaram sem as pernas, e tentar minimizar os estragos dos três cegos, atenuando-lhes, o sofrimento.
Fui ao Comando, tal como me havia sido anteriormente ordenado, e o Brigadeiro recebeu-me no seu quarto, tendo ficado inteirado de toda a situação.
De seguida fui à residencial, e o Luis teve de se levantar e abrir a cozinha e o restaurante, onde os "habilidosos da cozinha" deram azo à sua imaginação e prepararam uma refeição mais ou menos decente para o pessoal.
No final, disse ao Luis, para apresentar a conta no Comando de Sector, pois foram as ordens que o Brigadeiro me havia dado.
Cerca das seis horas da matina, lá estava eu, novamente, no quarto do Brigadeiro, que se encontrava sentado na beira da cama, sem que esta mostrasse sinais de ter sido utilizada, embora ele estivesse de pijama vestido!
Ficou inteirado de toda a situação, e de que a coluna já tinha partido de regresso ao Bata Sano, e que eu iria iniciar o meu regresso, mas não integrado na coluna, como gostava de fazer!
Fez-me aqueles avisos habituais, e que devia integrar a coluna do Dinge para cima, mas o que é certo é que cheguei ao Bata Sano, pouco antes das 8 horas da manhã, depois de lá ter saido 21 horas antes, o que no minimo já fazia 24 horas sem ir à cama, e sem um momento de descanso!
A coluna chegou muito mais tarde.
(Eu gostava imenso de circular sem coluna, porque tambem tinha a sorte, de haver sempre um mecanico, que gostasse de andar comigo, e faziamos diversos e variados percursos, sempre quatro pessoas na ambulancia: eu, um mecanico, um enfermeiro e um transmissoes, todos desarmados, apenas se levando uma pistola!).
Fui direito à casa de banho, que ficava entre os quartos, naquele edificio junto à capela, e enfiei-me, completamente vestido, debaixo do chuveiro, para tirar a maior parte do sangue, entranhado e já seco, da farda, pois esta estava castanha e nada tinha a ver com a sua cor normal.
Saido do banho, sou chamado para a formatura das 8 horas, ao que ripostei, em publico, com um pirete, mandando-os para o "c...lho"!
Vesti-me, e quando todos os sargentos pensaram que eu ia para a formatura, passei por tras desta, e dirigi-me para a messe para tomar o pequeno almoço.
Na varanda da messe dos oficiais, estava o Comandante Pedro Alvares Cabral a quem saudei, e continuei o meu percurso!
Veja-se a diferença entre dois comandantes: um, o Brigadeiro, nessa madrugada, recebeu-me, por duas vezes, no seu quarto, para se inteirar da situação; o outro, Comandante do Batalhão a que pertenciam os feridos, nem uma infima pergunta me fez sobre o assunto!
Tomado o pequeno almoço, com as velhas picardias entre os especialistas e os atiradores, por causa de eu não ir á formatura, e que dá sempre para responder que em 24 horas, ainda não tinha colocado os "c...ões" numa cama, enquanto a maior parte ainda trazia os olhos mal abertos de tanto dormir, às nove horas lá estava eu na enfermaria, para dar inicio a mais um dia normal de trabalho.
Pensava eu que assim seria, mas teve mais peripecias que ficam para a proxima, dado a extensão deste texto.

2 comentários:

José Carlos Mendes disse...

Cenas do caraças. Tínhamos aquela idade e éramos meio humanos meio super-homens (devido à tenra idade).

Gostei muito de ler.

C.,
Agora uma questão editorial: para eventual uso futuro destes textos, e para não chocarmos ninguém, escreve (edita e emenda, pf): «c...ões».

Fica bem claro e vais gostar dessa nova literatura que vais descobrir (na gíria da minha profissão digo que estou a fazer o papel de teu editor...).

Abraço... e conta o resto.

Anónimo disse...

Obrigado Zé Carlos.
Ainda não me tinha aqui aparecido o teu comentário,mas já tinha sido alertado pelo João que me falou no teu puxão de orelhas, e eu disse-lhe que tu nada me tinhas dito, mas depois lembei-me do texto, fiz a alteração e só depois é que li o teu recado.
Mais uma vez obrigado, e mais sentido é, por te dispores a ser o meu editor...até já pareço uma pessoa importantissima!
Um abraço